Skip to main content
  1. Posts/

Vence o mal com o bem

·1663 words·

Escrevi este texto à mais de um mês. Mostrei-o a um amigo e ele apontou o defeito de as minhas ilustrações serem “suaves” demais. Não reflectiam o “mal” verdadeiro. Ele tinha razão.

À luz dos acontecimentos recentes, acho que devo publicar. Quase não alterei, apenas inserindo algumas ilustrações mais fortes.


Todos nós sofremos mal nesta vida. É uma realidade inescapável da condição humana caída. A questão que se coloca não é se vamos experimentar injustiças, ofensas e maldades dirigidas contra nós, mas sim como vamos responder quando isso acontecer.

A atitude cristã perante o mal sofrido é completamente contrária à natureza humana. O nosso instinto natural clama por vingança, por justiça feita pelas nossas próprias mãos, por reciprocidade. Quando alguém nos corta a palavra numa reunião, o impulso é mostrar a nossa inteligência com sarcasmo ou ironia, para provar que não somos fáceis de calar. Quando um adversário no espaço público distorce as nossas ideias, a tentação é devolver com igual dureza, expondo-lhe as falhas em público. Quando somos alvo de insultos nas redes sociais, a resposta imediata que nos surge é devolver insulto por insulto, multiplicando a agressividade. Quando a nossa fé ou convicções são ridicularizadas, a inclinação natural é levantar a voz e reagir com indignação. Contudo, as Escrituras apresentam-nos um caminho radicalmente diferente.

Um Mandamento, Não Uma Sugestão #

Não torneis a ninguém mal por mal; procurai as coisas honestas perante todos os homens.

Romanos 12:17

Paulo não oferece aqui uma mera sugestão ou um ideal utópico. Trata-se de um mandamento claro e directo. E este mandamento não é uma invenção Paulina, mas está em perfeita harmonia com os ensinamentos do Senhor Jesus e com o carácter de Deus revelado ao longo de toda a Bíblia.

A palavra “procurai” (προνοέω G4306) é particularmente significativa. Não se trata de algo que surge naturalmente em nós. Pelo contrário, exige esforço deliberado, disciplina espiritual e dependência da graça divina. Quando sofremos discriminação por causa da nossa fé, o esforço é não responder com ódio, mas permanecer firmes no testemunho. Quando alguém nos persegue, nos insulta ou nos humilha em público, o esforço é não deixar que o orgulho dite a resposta, mas seguir o exemplo de Cristo que, mesmo diante da cruz, orou pelos que O feriam. Somos chamados a lutar contra os nossos instintos mais básicos e a escolher um caminho superior.

O Contexto: Amor Não Fingido #

Este mandamento não surge isolado, mas no contexto de uma vida cristã autêntica. Paulo ordena-nos:

O amor seja não fingido. Aborrecei o mal e apegai-vos ao bem. Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros.

Romanos 12:9-10

A nossa motivação não pode ser meramente externa ou performativa. Deve brotar de um coração transformado que genuinamente ama, que prefere honrar os outros antes de si mesmo. Esta é uma obra do Espírito Santo em nós, não um esforço meramente humano. Impossível aos homens, mas possível para Deus.

Fervor, Não Relutância #

Não sejais vagarosos no cuidado; sede fervorosos no espírito, servindo ao Senhor.

Romanos 12:11

Não devemos cumprir este mandamento como se fosse um fardo pesado ou uma obrigação desagradável. Somos chamados a fazê-lo com fervor, como se fosse dirigido ao próprio Senhor.

Isto é extremamente difícil. Quando alguém nos magoa, a última coisa que queremos é responder com bondade e amor. Mas são estas as nossas ordens. Devemos obedecer mesmo quando não nos apetece, orando constantemente por uma mudança de coração e mantendo-nos pacientes na tribulação.

A Nossa Esperança e o Dia da Vingança #

alegrai-vos na esperança, sede pacientes na tribulação, perseverai na oração;

Romanos 12:12

A nossa capacidade de responder ao mal com o bem está intrinsecamente ligada à nossa esperança escatológica. Sabemos que a vinda do Senhor se aproxima, e que nesse dia toda a injustiça será corrigida.

Quando um colega nos prejudica no trabalho para conseguir uma promoção, ou quando um vizinho nos calunia, ou quando um familiar nos trata com desprezo, quando um irmão ou irmã na fé é assassinado simplesmente por expor convicções cristãs, lembramo-nos de que Jesus voltará. No Seu regresso glorioso, Ele trará consigo o dia da vingança divina. Nesse dia, toda a maldade — a calúnia, a traição, o ódio — será exposta e julgada com perfeita justiça.

Esta perspectiva eterna dá-nos força para suportar as injustiças temporais. Não precisamos de fazer justiça pelas nossas próprias mãos porque sabemos que o Juiz supremo já marcou o dia do julgamento.

Pragmatismo Bíblico #

Se for possível, quanto estiver em vós, tende paz com todos os homens.

Romanos 12:18

Encontramos aqui algum pragmatismo. A atitude por defeito deve ser sofrer a injustiça e responder com o bem, mas Deus também estabeleceu sistemas neste mundo para combater a injustiça.

Quando o nosso carro é vandalizado, podemos e devemos reportar às autoridades. Se testemunhamos um assalto, temos o dever de contactar a polícia. Se alguém nos difama publicamente, podemos procurar as vias legais apropriadas. O princípio de retribuir o mal com o bem não anula as estruturas de justiça que Deus ordenou, mas governa a nossa atitude pessoal: não buscamos vingança, mas justiça através dos canais apropriados, sempre com um coração que deseja o arrependimento do ofensor.

A Vingança Pertence ao Senhor #

Não vos vingueis a vós mesmos, amados, mas dai lugar à ira, porque está escrito: Minha é a vingança; eu recompensarei, diz o Senhor.

Romanos 12:19

Este princípio não é novidade no Novo Testamento. Paulo ecoa directamente os Provérbios: “Não digas: Vingar-me-ei do mal; espera pelo SENHOR, e ele te livrará” ( Provérbios 20:22 ).

A vingança não nos pertence porque não temos nem a perspectiva nem a autoridade para exercê-la justamente. Só Deus vê todos os corações, conhece todas as motivações e tem o direito de julgar com perfeita justiça. Quem não se arrepender vai ter o pagamento das suas obras,

E a vós, que sois atribulados, descanso connosco, quando se manifestar o Senhor Jesus desde o céu com os anjos do seu poder, como labareda de fogo, tomando vingança dos que não conhecem a Deus e dos que não obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo.

2 Tessalonicenses 1:7-8

O meu coração treme de pensar nesse dia.

Amontoar Brasas de Fogo #

Portanto, se o teu inimigo tiver fome, dá-lhe de comer; se tiver sede, dá-lhe de beber; porque, fazendo isto, amontoarás brasas de fogo sobre a sua cabeça.

Romanos 12:20

Esta imagem intrigante que vem de Provérbios refere-se à consciência e à culpa que se acumulam sobre o inimigo ao ver o seu mal recompensado com o bem.

Quando um familiar nos ignora e nós continuamos a amá-lo e convidá-lo, estas brasas começam a acumular-se. Quando nos tratam mal e respondemos com bondade, o peso da consciência aumenta. Quando alguns se riem ou até celebram a nossa dor, estas brasas divinas fazem a sua obra.

Estas brasas, colocadas por Deus, pesam e ardem na consciência daquele que praticou o mal. Quanto mais pagarmos o mal com o bem, mais estas brasas se amontoam. Ou produzirão arrependimento e reconciliação, ou serão apenas o início do juízo sobre os inimigos. No grande dia da segunda vinda de Cristo, aqueles que rejeitaram a bondade de Deus e dos Seus filhos enfrentarão a ira divina. O lago de fogo está preparado para aqueles que persistirem na dureza de coração.

Vencer o Mal com o Bem #

Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.

Romanos 12:21

Este é o clímax do ensinamento paulino. Não se trata apenas de não retribuir o mal, mas de activamente vencê-lo através do bem. É uma estratégia espiritual ofensiva, não meramente defensiva.

Este princípio não se encontra apenas em Romanos. Paulo repete-o em Tessalonicenses: “Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui, sempre, o bem, tanto uns para com os outros como para com todos” (1 Tessalonicenses 5:15). Pedro ecoa a mesma verdade: “não tornando mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo” (1 Pedro 3:9).

O Padrão Elevado de Jesus #

Jesus, o mestre dos mestres, ilustrou este mandamento de uma forma muito gráfica, no Sermão do Monte: “Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra” ( Mateus 5:38-39 ).

O Senhor não se limitou a ensinar este princípio; viveu-o perfeitamente. Na cruz, em vez de amaldiçoar os seus algozes, orou: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem” ( Lucas 23:34 ). Estêvão, o primeiro mártir cristão seguiu este exemplo quando foi apedrejado, clamando: “Senhor, não lhes imputes este pecado” ( Actos 7:60 ).

Aplicação Prática #

Este mandamento aplica-se aos nossos inimigos declarados, mas não só. Também àqueles que estão próximos de nós. Até aquele que se senta ao nosso lado na igreja e sussurra críticas; até aqueles que moram connosco e nos tratam com indiferença. A resposta continua a ser a mesma: não tornar “mal por mal ou injúria por injúria; antes, pelo contrário, bendizendo”.

Quando somos injuriados, devemos bendizer. Quando perseguidos, devemos suportar. Quando caluniados, devemos procurar conciliação (1 Coríntios 4:12-13). Esta é a marca distintiva dos filhos do Reino, que aguardam o dia glorioso em que Cristo voltará para estabelecer a Sua justiça perfeita.

Uma Oração de Consagração #

Senhor, perdoa-me por nem sempre te obedecer neste mandamento. Escreve-o no meu coração e molda-me para que te possa honrar ao pagar sempre o mal com o bem. Faz-me seguir o teu exemplo. Que a minha vida reflicta o carácter do Pai celestial, que faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e que a chuva desça sobre justos e injustos.

Que sejamos conhecidos não pela nossa capacidade de retaliar ou de nos defendermos, mas pela nossa capacidade sobrenatural de amar os nossos inimigos e de vencer o mal com o bem. Este é o padrão elevado do Reino, e é para isto que fomos chamados.