A divindade de Cristo
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Tive este fim de semana um encontro com Testemunhas de Jeová que todas as semanas estão na minha rua a distribuir os seus panfletos. Tivemos uma interação agradável e respeitosa, apesar de discordarmos profundamente sobre muitos assuntos.
As testemunhas de Jeová dizem-se cristãos mas divergem em assuntos fundamentais da ortodoxia cristã.
Poderia aprofundar muitos desses assuntos, tal como Jesus ser o arcanjo Miguel, o Espírito Santo ser uma força e não uma pessoa, o não existir uma condenação eterna para os que não se arrependem ou que Jesus não morreu numa cruz. Tudo ideias que contradizem quase 2000 anos de cristandade. Poderia falar de previsões e profecias falhadas, ou da ideia da divisão da humanidade em classes, mas vou deixar todos esses assuntos para outra altura. Não que os ache pouco importantes, ou difíceis de rebater, mas simplesmente quero focar-me num assunto que acho essencial da fé cristã, a divindade de Jesus Cristo. Esse ponto doutrinário tem sido alvo de ataques constantes ao longo da história, primeiro pelos Judeus, depois por Ário e Nestório, por Maomé e pelos muçulmanos até hoje, e mais recentemente pelas testemunhas de Jeová. Todos estes grupos, tão diferentes entre si, concordam numa coisa. Jesus não é Deus. Eu discordo, e quero explicar porquê.
Metodologia #
Ao longo de 2000 anos de história, os principais grupos cristãos, Católicos, Ortodoxos e Protestantes sempre concordaram que Jesus se considerava divino, e que a Bíblia e o testemunho dos apóstolos confirmavam isso. Se em toda a história da Igreja vemos uma voz unânime a afirmar algo de que discordamos, devemos ter a humildade intelectual para assumir que é altamente provável estarmos errados, mas vamos ignorar isso. As Testemunhas de Jeová não vão aceitar o testemunho da igreja como justificação para a divindadede Jesus. Portanto, vou tentar demonstrar, apenas com base nas Escrituras, três pontos essenciais:
- Que Jesus considerava a si mesmo como divino.
- Que os apóstolos consideravam Jesus como divino.
- Que o Velho Testamento não impõe a interpretação de Jeová como uma unidade monolítica, permitindo espaço para uma compreensão da divindade de Jesus.
O que pensava Jesus sobre si? #
Conseguimos entender nos evangelhos, através do que jesus diz e faz, que ele não se considera uma pessoa qualquer, mas reclama para si atributos e direitos que são apenas divinos. Por vezes essas afirmações não são muito claras para nós, mas os Judeus que ouviram Jesus ajudam-nos. Sempre que Jesus afirmava a sua divindade, a sua vida estava em risco, porque os Judeus o queriam condenar à morte por blasfémia.
Filho de Deus #
Princípio do evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus.
Marcos 1:1
Jesus declarou ser o Filho de Deus; afirmou ter Deus como o seu Pai. Mas como entender esta declaração? Por exemplo os que creem em Jesus são Filhos de Deus, pois nascem de novo, pela vontade de Deus.
Mas, a todos quantos o receberam, aos que creem no seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus; os quais não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do varão, mas de Deus.
João 1:12-13
Os anjos são também chamados filhos de Deus pois são criados diretamente por Ele.
Respondeu-lhes Jesus: Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento; mas os que são julgados dignos de alcançar o mundo vindouro, e a ressurreição dentre os mortos, nem se casam nem se dão em casamento; porque já não podem mais morrer; pois são iguais aos anjos, e são filhos de Deus, sendo filhos da ressurreição.
Lucas 20:34-36
Mas será que Jesus é chamado Filho de Deus no mesmo sentido que os seres humanos ou os anjos? Não. Jesus reclamava para si esse título de forma particular, sendo ele O Filho de Deus e não apenas UM Filho de Deus. Jesus é o único que conhece e pode revelar Pai, e o Pai também testifica que Jesus é o seu Filho.
Todas as coisas me foram entregues por meu Pai; e ninguém conhece quem é o Filho senão o Pai, nem quem é o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Lucas 10:22
Não há dúvidas que quando Jesus afirmava que Deus era o seu Pai, o estava a fazer de uma maneira diferente do que quando dizemos que os crentes ou os anjos são filhos de Deus. Os Judeus entenderam isso muito bem. Essa foi uma das principais razões de quererem matar Jesus.
Por isso, pois, os judeus ainda mais procuravam matá-lo, porque não só violava o sábado, mas também dizia que Deus era seu próprio Pai, fazendo-se igual a Deus.
João 5:18
Responderam-lhe os judeus: Nós temos uma lei, e segundo esta lei ele deve morrer, porque se fez Filho de Deus.
João 19:7
Ao dizer-se Filho de Deus, Jesus afirmava ser da mesma natureza de Deus, mas também o fez de maneiras mais explícitas.
Eu e o Pai somos um. Os judeus pegaram então outra vez em pedras para o apedrejar. Disse-lhes Jesus: Muitas obras boas da parte de meu Pai vos tenho mostrado; por qual destas obras ides apedrejar-me? Responderam-lhe os judeus: Não é por nenhuma obra boa que vamos apedrejar-te, mas por blasfêmia; e porque, sendo tu homem, te fazes Deus.
João 10:30-33
Unigénito #
Jesus não apenas é Filho de Deus num sentido particular, ele é o único filho de Deus. Ele é o Deus unigénito.
Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o seu Filho ao mundo, não para que julgasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por ele. Quem crê nele não é julgado; mas quem não crê, já está julgado; porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus.
João 3:16-18
Ninguém jamais viu a Deus. O Deus unigênito, que está no seio do Pai, esse o deu a conhecer.
João 1:18
Mas ser filho unigénito de Deus não implica que Jesus é um ser criado? Poderíamos pensar assim, não fossem outras afirmações de Jesus e dos escritores bíblicos. Por exemplo, Jesus afirma que estava junto do Pai, com a mesma glória que ele, antes do mundo existir.
Depois de assim falar, Jesus, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o Filho te glorifique; assim como lhe deste autoridade sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos aqueles que lhe tens dado. E a vida eterna é esta: que te conheçam a ti, como o único Deus verdadeiro, e a Jesus Cristo, aquele que tu enviaste. Eu te glorifiquei na terra, completando a obra que me deste para fazer. Agora, pois, glorifica-me tu, ó Pai, junto de ti mesmo, com aquela glória que eu tinha contigo antes que o mundo existisse.
João 17:1-5
Mas há outra afirmação ainda mais chocante de Jesus, onde entendemos que ele é um ser eterno.
Eu Sou #
O Evangelho de João é particularmente rico em afirmações chocantes, se ditas por alguém que não Deus. Os judeus afirmavam que Jesus estava possuído por demónios, e queriam matá-lo por blasfémia.
Em verdade, em verdade vos digo que, se alguém guardar a minha palavra, nunca verá a morte. Disseram-lhe os judeus: Agora sabemos que tens demônios. Abraão morreu, e também os profetas; e tu dizes: Se alguém guardar a minha palavra, nunca provará a morte! Porventura és tu maior do que nosso pai Abraão, que morreu? Também os profetas morreram; quem pretendes tu ser? Respondeu Jesus: Se eu me glorificar a mim mesmo, a minha glória não é nada; quem me glorifica é meu Pai, do qual vós dizeis que é o vosso Deus; e vós não o conheceis; mas eu o conheço; e se disser que não o conheço, serei mentiroso como vós; mas eu o conheço, e guardo a sua palavra. Abraão, vosso pai, exultou por ver o meu dia; viu-o, e alegrou-se. Disseram-lhe, pois, os judeus: Ainda não tens cinquenta anos, e viste Abraão? Respondeu-lhes Jesus: Em verdade, em verdade vos digo que antes que Abraão existisse, eu sou. Então pegaram em pedras para lhe atirarem; mas Jesus ocultou-se, e saiu do templo.
João 8:51-59
Quando Jesus afirma poder preservar os que guardam a sua palavra da morte, os Judeus indignam-se, mas falam-lhe numa atitude de desprezo e gozo. Quando acham que ele afirma ter visto Abraão, ainda lhe respondem com incredulidade, mas quando Jesus diz “eu sou”, desperta uma fúria tal nos Judeus que eles o tentam matar imediatamente. Com a afirmação “Eu Sou” Jesus estava inequivocamente a identificar-se com YHWH, o Deus todo-poderoso que apareceu a Moisés.
Respondeu Deus a Moisés: EU SOU O QUE SOU. Disse mais: Assim dirás aos olhos de Israel: EU SOU me enviou a vós.
Exodo 3:14
Filho do Homem #
Um dos títulos preferidos de Jesus, que usava constantemente para se referir a si mesmo era “Filho do Homem”. Alguns afirmam que esta expressão realça a sua humanidade, mas na verdade, “Filho do Homem” é um título ainda mais divino do que “Filho de Deus”. O que queria Jesus dizer quando se autodenominava “Filho do Homem”? Temos uma pista no evangelho de Marcos.
Ele, porém, permaneceu calado, e nada respondeu. Tornou o sumo sacerdote a interrogá-lo, perguntando-lhe: És tu o Cristo, o Filho do Deus bendito? Respondeu Jesus: Eu o sou; e vereis o Filho do homem assentado à direita do Poder e vindo com as nuvens do céu. Então o sumo sacerdote, rasgando as suas vestes, disse: Para que precisamos ainda de testemunhas? Acabais de ouvir a blasfêmia; que vos parece? E todos o condenaram como réu de morte.
Marcos 14:61-64
Mais uma vez, Jesus diz algo que enfurece os Judeus, neste caso o Sumo Sacerdote, que entendeu imediatamente o que Jesus quis dizer com “vereis o Filho do homem assentado à direita do Poder e vindo com as nuvens do céu”. Jesus estava a fazer uma alusão à visão de Daniel, em que um como “Filho do Homem” recebe de Deus glória, autoridade sobre todo o mundo.
Eu estava olhando nas minhas visões noturnas, e eis que vinha com as nuvens do céu um como filho de homem; e dirigiu-se ao ancião de dias, e foi apresentado diante dele. E foi-lhe dado domínio, e glória, e um reino, para que todos os povos, nações e línguas o servissem; o seu domínio é um domínio eterno, que não passará, e o seu reino tal, que não será destruído.
Daniel 7:13-14
Jesus estava a afirmar que ele próprio quem iria receber de Deus um reino eterno e autoridade sobre todos. Além disso afirmou que se iria sentar à “direita do Poder”, o que significa que tem a mesma autoridade que Deus Pai.
Os direitos de Jesus #
Até aqui vimos quatro títulos ou atributos acerca de quem Jesus é, mas há ainda quatro coisas que Jesus tem ou faz que demonstram a sua divindade. Por outras palavras, aquilo a que Jesus tem direito.
Autoridade #
Jesus recebe de Deus Pai toda a autoridade. Autoridade sobre toda a carne. Autoridade no céu e na terra. Autoridade sobre tudo e todos.
Partiram, pois, os onze discípulos para a Galileia, para o monte onde Jesus lhes designara. Quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. E, aproximando-se Jesus, falou-lhes, dizendo: Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto ide, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a observar todas as coisas que eu vos tenho mandado; e eis que eu estou convosco todos os dias, até a consumação dos séculos.
Mateus 28:16-20
Depois de assim falar, Jesus, levantando os olhos ao céu, disse: Pai, é chegada a hora; glorifica a teu Filho, para que também o Filho te glorifique; assim como lhe deste autoridade sobre toda a carne, para que dê a vida eterna a todos aqueles que lhe tens dado.
João 17:1-2
Jesus dá alguns exemplos dessa autoridade nos seus milagres. Demonstra autoridade sobre a natureza quando acalma a tempestade, anda sobre o mar, multiplica os pães ou transforma a água em vinho.
E aqueles homens se maravilharam, dizendo: Que homem é este, que até os ventos e o mar lhe obedecem?
Mateus 8:27
Demonstra autoridade sobre os demónios.
E todos se maravilharam a ponto de perguntarem entre si, dizendo: Que é isto? Uma nova doutrina com autoridade! Pois ele ordena aos espíritos imundos, e eles lhe obedecem!
Marcos 1:27
E por fim afirma ter autoridade sobre o sábado, uma festa solene instituída por Deus.
Porque o Filho do homem até do sábado é o Senhor.
Mateus 12:8
Adoração #
Muitas vezes vemos nos evangelhos Jesus sendo adorado. Nunca vemos Jesus a repreender alguém por essa atitude. Portanto, ou Jesus é alguém que tem direito a receber algo que só é próprio de dar a Deus ou então Jesus estava a pecar, recebendo adoração.
E eis que veio um leproso e o adorava, dizendo: Senhor, se quiseres, podes tornar-me limpo.
Mateus 8:2
Enquanto ainda lhes dizia essas coisas, eis que chegou um chefe da sinagoga e o adorou, dizendo: Minha filha acaba de falecer; mas vem, impõe-lhe a tua mão, e ela viverá.
Mateus 9:18
Então os que estavam no barco adoraram-no, dizendo: Verdadeiramente tu és Filho de Deus.
Mateus 14:33
Então veio ela e, adorando-o, disse: Senhor, socorre-me.
Mateus 15:25
E eis que Jesus lhes veio ao encontro, dizendo: Salve. E elas, aproximando-se, abraçaram-lhe os pés, e o adoraram.
Mateus 28:9
Disse o homem: Creio, Senhor! E o adorou.
João 9:38
A mesma honra devida a Deus Pai é também devida ao filho.
para que todos honrem o Filho, assim como honram o Pai. Quem não honra o Filho, não honra o Pai que o enviou.
João 5:23
Absolvição #
Por último, Jesus afirma a sua divindade quando perdoa pecados. Quem pode perdoar é aquele que é o ofendido. Um pecado é uma ofensa contra Deus, logo apenas Deus pode perdoar.
E disse a ela: Perdoados são os teus pecados. Mas os que estavam com ele à mesa começaram a dizer entre si: Quem é este que até perdoa pecados?
Lucas 7:48-49
E eis que lhe trouxeram um paralítico deitado num leito. Jesus, pois, vendo-lhes a fé, disse ao paralítico: Tem ânimo, filho; perdoados são os teus pecados. E alguns dos escribas disseram consigo: Este homem blasfema.
Mateus 9:2-3
E Jesus, vendo-lhes a fé, disse ao paralítico: Filho, perdoados são os teus pecados. Ora, estavam ali sentados alguns dos escribas, que arrazoavam em seus corações, dizendo: Por que fala assim este homem? Ele blasfema. Quem pode perdoar pecados senão um só, que é Deus?
Marcos 2:5-7
Os escribas têm razão. Ou Jesus blasfemava, ou então ele é o próprio Deus encarnado.
O que pensavam os apóstolos sobre Jesus? #
Não temos testemunho escrito de todos os doze discípulos de Jesus. Mas a partir do testemunho que temos, é fácil perceber que, para os apóstolos, Jesus era mais que um ser criado por Deus.
Pedro #
O apóstolo Pedro, sempre pronto para falar, foi usado por Deus para fazer uma afirmação em nome dos discípulos.
Respondeu-lhe Simão Pedro: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo.
Mateus 16:16
Como já vimos anteriormente, chamar a Jesus “Filho de Deus” é afirmar a sua divindade. É dizer que ele tem a mesma natureza de Deus. Mas para não nos deixar dúvidas, Pedro escreve na sua segunda carta mais detalhadamente aquilo que ele sabe sobre Jesus.
Simão Pedro, servo e apóstolo de Jesus Cristo, aos que connosco alcançaram fé igualmente preciosa na justiça do nosso Deus e Salvador Jesus Cristo: Graça e paz vos sejam multiplicadas no pleno conhecimento de Deus e de Jesus nosso Senhor; visto como o seu divino poder nos tem dado tudo o que diz respeito à vida e à piedade, pelo pleno conhecimento daquele que nos chamou por sua própria glória e virtude; pelas quais ele nos tem dado as suas preciosas e grandíssimas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina, havendo escapado da corrupção, que pela concupiscência há no mundo.
2 Pedro 1:1-4
Para Pedro, Jesus é o “nosso Deus e Salvador” e “nosso Senhor”. Para Pedro, Jesus tem “divino poder” para nos dar “tudo o que diz respeito à vida”. Para Pedro, Jesus é Deus.
João #
O apóstolo João é o discípulo que mais enfatiza a divindade de Jesus, tanto no seu evangelho como nas suas cartas.
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem ele nada do que foi feito se fez.
João 1:1-3
Jesus, na verdade, operou na presença de seus discípulos ainda muitos outros sinais que não estão escritos neste livro; estes, porém, estão escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
João 20:30-31
Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em que Deus enviou seu Filho unigênito ao mundo, para que por meio dele vivamos.
1 João 4:9
Quem é o que vence o mundo, senão aquele que crê que Jesus é o Filho de Deus?
1 João 5:5
Para João, Jesus é o Filho unigénito de Deus, aquele que tem a mesma natureza de Deus. Para João, Jesus é o Verbo que estava no princípio com Deus e por intermédio de quem toda a criação foi feita. Nada do que foi criado existe sem Jesus. Nem terra nem céus, nem homens nem anjos. Sem ele, nada do que foi feito se fez. Para João, Jesus é Deus.
Paulo #
Paulo escreveu grande parte do novo testamento, por isso há muitíssimos exemplos onde poderíamos ler explicitamente ou inferir que Paulo considera Jesus um ser divino. Logo em Atos, ao despedir-se dos anciãos de Éfeso, Paulo dá-lhes instruções onde lemos que foi o “sangue de Deus” que comprou a igreja.
Cuidai pois de vós mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito Santo vos constituiu bispos, para apascentardes a igreja de Deus, que ele adquiriu com seu próprio sangue.
Actos 20:28
Na carta aos Colossenses, a igreja é avisada sobre enganos que os iriam separar da simplicidade da fé em Cristo, em quem “habita corporalmente TODA a plenitude da divindade”.
Tendo cuidado para que ninguém vos faça presa sua, por meio de filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos do mundo, e não segundo Cristo; porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade, e tendes a vossa plenitude nele, que é a cabeça de todo principado e potestade,
Colossenses 2:8-10
Na carta aos Filipenses, Jesus é claramente afirmado como igual a Deus.
Tende em vós aquele sentimento que houve também em Cristo Jesus, o qual, subsistindo em forma de Deus, não considerou o ser igual a Deus coisa a que se devia aferrar, mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens; e, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, tornando-se obediente até a morte, e morte de cruz. Pelo que também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu o nome que é sobre todo nome; para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai.
Filipenses 2:5-11
Para Paulo Jesus era Deus. Isto não foi uma descoberta ou invenção dele, mas foi o testemunho que ele recebeu dos primeiros cristãos. Já escrevi anteriormente sobre os credos do novo testamento, passagens que têm uma formulação diferente do resto do texto envolvente. São formulações credais, construídas de uma forma que ajude a recitação e memorização. Neles entendemos que os primeiros cristãos imediatamente após a morte de Jesus afirmavam a sua divindade, pré-existência, morte pelos nossos pecados, sepultamento e ressurreição.
Hebreus #
A identidade do escritor da carta aos Hebreus é incerta, mas sendo este um texto de resposta aos Testemunhas de Jeová, não poderia deixar de fora o seu testemunho. Hebreus começa por afirmar a superioridade de Jesus aos anjos, a Moisés e aos sumos sacerdotes.
2 nestes últimos dias a nós nos falou pelo Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as coisas, e por quem fez também o mundo; 3 sendo ele o resplendor da sua glória e a expressa imagem do seu Ser, e sustentando todas as coisas pela palavra do seu poder, havendo ele mesmo feito a purificação dos pecados, assentou-se à direita da Majestade nas alturas, 4 feito tanto mais excelente do que os anjos, quanto herdou mais excelente nome do que eles. 5 Pois a qual dos anjos disse jamais: Tu és meu Filho, hoje te gerei? E outra vez: Eu lhe serei Pai, e ele me será Filho? 6 E outra vez, ao introduzir no mundo o primogênito, diz: E todos os anjos de Deus o adorem. 7 Ora, quanto aos anjos, diz: Quem de seus anjos faz ventos, e de seus ministros labaredas de fogo. 8 Mas do Filho diz: O teu trono, ó Deus, subsiste pelos séculos dos séculos, e cetro de eqüidade é o cetro do teu reino. 13 Mas a qual dos anjos disse jamais: Assenta-te à minha direita até que eu ponha os teus inimigos por escabelo de teus pés? 14 Não são todos eles espíritos ministradores, enviados para servir a favor dos que hão de herdar a salvação?
Hebreus 1:2-8,13-14
Livros inteiros podem ser escritos sobre este capítulo, mas vamos salientar três pontos. Lemos que Jesus é (1) herdeiro de todas as coisas (2) a expressa imagem de Deus (3) mais excelente do que os anjos. Lemos que Jesus tem um trono que vai permanecer para sempre. É a Jesus que toda a criação vai ser sujeita.
Porque não foi aos anjos que Deus sujeitou o mundo vindouro, de que falamos.
Hebreus 2:5
A carta aos Hebreus afirma categoricamente que Jesus não é um anjo. É superior aos anjos, pois é ele que vai receber toda a autoridade sobre o mundo, não um anjo. Em suma, os apóstolos sabiam sem sombra de dúvida que Jesus é Deus. Vamos tomar o testemunho dos apóstolos como verdadeiro, e não esperar pelo nosso encontro com Jesus na nossa ressurreição para reconhecer a sua divindade. Sejamos mais bem-aventurados que Tomé.
Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu, e Deus meu! Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram.
João 20:28-29
A pluralidade em Deus no velho testamento #
No velho testamento encontramos várias passagens com subtilezas intrigantes. Subtilezas que levam um leitor atento a questionar-se sobre a natureza de Deus. Não vou afirmar que encontramos uma doutrina da trindade claramente explícita no velho testamento, mas muitas questões que o texto levanta são respondidas se entendermos Deus tal como a ortodoxia cristã o define: “Um Deus, três pessoas”.
Shemá #
Em primeiro lugar, um dos textos fundacionais para o Judaísmo é o Shemá.
Ouve, ó Israel; o Senhor nosso Deus é o único Senhor.
Deuteronômio 6:4
Uma afirmação clara do monoteísmo Judaico, a que as várias religiões Abraâmicas acedem. Só há um Deus. No entanto, a palavra hebraica que afirma a unidade de Deus, אחד (echad), pode ser entendida como uma unidade composta. Por exemplo em Génesis 2 o primeiro casal é “uma carne”. Não é uma palavra que implique necessariamente uma unidade monolítica.
Portanto deixará o homem a seu pai e a sua mãe, e unir-se-á à sua mulher, e serão uma só carne.
Génesis 2:24
Quando os cristãos afirmam que Deus são três pessoas, não estão a afirmar um politeísmo, pois assim negariam as escrituras, mas sim um entendimento diferente da natureza de Deus.
Gramática #
Duas das passagens mais intrigantes que sugerem uma pluralidade dentro da divindade são encontradas no livro de Génesis.
E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança; domine ele sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos, e sobre toda a terra, e sobre todo réptil que se arrasta sobre a terra.
Génesis 1:26
Então disse o Senhor Deus: Eis que o homem se tem tornado como um de nós, conhecendo o bem e o mal. Ora, não suceda que estenda a sua mão, e tome também da árvore da vida, e coma e viva eternamente.
Génesis 3:22
Nestas duas passagens, Deus fala consigo na primeira pessoa do plural. Fala como se estivesse num grupo de Deuses, e toma conselho entre eles. Esta curiosidade gramatical é muito bem explicada pelo conceito da trindade. Outra pista intrigante para a natureza plural de Deus é o uso do termo אלהים (Elohim). A palavra אלהים é plural em hebraico e é frequentemente usada para se referir a Deus no Velho Testamento. Isso implica que a divindade não é uma entidade singular, mas sim uma pluralidade que age em unidade.
O Anjo do Senhor #
Já escrevi anteriormente sobre este tópico, por isso vou ser breve, mas o conceito do “Anjo do Senhor” também lança luz sobre essa visão não monolítica de Deus.
E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma chama de fogo do meio duma sarça. Moisés olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a sarça não se consumia; pelo que disse: Agora me virarei para lá e verei esta maravilha, e por que a sarça não se queima. E vendo o Senhor que ele se virara para ver, Deus chamou-o do meio da sarça, e disse: Moisés, Moisés! Respondeu ele: Eis-me aqui.
Exodo 3:2-4
No mesmo texto lemos que quem está na sarça é o Anjo do Senhor, mas quem fala do meio da sarça é Deus. Lemos também que é o Senhor (יהוה, Jeová) que vê que Moisés se está a aproximar, mas que é Deus (אלהים, Elohim) quem fala.
Várias pessoas divinas #
O rei David escreve no Salmo 110 que o Senhor (יהוה, Jeová), fala com o Senhor (אדן, Adonai) de David e lhe dá um lugar de autoridade, à sua “mão direita”, indicando um estatuto de igualdade com Deus.
Disse o Senhor ao meu Senhor: Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés.
Salmos 110:1
Em Génesis encontramos uma passagem que pode ser entendida como referindo dois Senhores (יהוה, Jeová).
Então, fez o SENHOR chover enxofre e fogo, da parte do SENHOR, sobre Sodoma e Gomorra.
Génesis 19:24
Em Isaías também encontramos passagens que oferecem uma visão da pluralidade divina.
Escuta-me, ó Jacó, e tu, ó Israel, a quem chamei; eu sou o mesmo, eu o primeiro, eu também o último. Também a minha mão fundou a terra, e a minha destra estendeu os céus; quando eu os chamo, eles aparecem juntos. Ajuntai-vos todos vós, e ouvi: Quem, dentre eles, tem anunciado estas coisas? Aquele a quem o Senhor amou executará a sua vontade contra Babilônia, e o seu braço será contra os caldeus. Eu, eu o tenho dito; também já o chamei; eu o trouxe, e o seu caminho será próspero. Chegai-vos a mim, ouvi isto: Não falei em segredo desde o princípio; desde o tempo em que aquilo se fez, eu estava ali; e agora o Senhor Deus me enviou juntamente com o seu Espírito. Assim diz o Senhor, o teu Redentor, o Santo de Israel: Eu sou o Senhor, o teu Deus, que te ensina o que é útil, e te guia pelo caminho em que deves andar.
Isaías 48:12-17
Quem está a falar é “o Senhor, o teu Deus”, “o primeiro e o último”, mas ele é enviado pelo “Senhor Deus” juntamente com o seu Espírito. Este texto sugere a presença simultânea de Deus, do Senhor, e do Seu Espírito, como entidades distintas.
Conclusão #
Uma análise aprofundada das escrituras demonstra sem sombras de dúvidas que elas nos apresentam Jesus como Deus. Muitos textos do novo testamento ficariam mal explicados se negássemos esse facto. Muitos textos do velho testamento que levantam questões sobre a natureza de Deus ficariam por explicar sem esse facto. Só há um Deus, mas Ele existe como três pessoas. Não é tão claro como no caso de Jesus que nas escrituras o Espírito Santo também é Deus, mas também conseguimos chegar a essa conclusão. No entanto, para o caso de Jesus, não há espaço para negar a sua divindade.
Isaías diz-nos três vezes que o Senhor (יהוה, Jeová) é o primeiro e o último.
Quem operou e fez isto, chamando as gerações desde o princípio? Eu, o Senhor, que sou o primeiro, e que com os últimos sou o mesmo.
Isaías 41:4
Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e fora de mim não há Deus.
Isaías 44:6
Escuta-me, ó Jacó, e tu, ó Israel, a quem chamei; eu sou o mesmo, eu o primeiro, eu também o último.
Isaías 48:12
Mas no livro de Apocalipse, é Jesus o primeiro e o último, o Alfa e o Ómega.
Eu sou o Alfa e o ómega, diz o Senhor Deus, aquele que é, e que era, e que há de vir, o Todo-Poderoso.
Apocalipse 1:8
Ao anjo da igreja em Esmirna escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto e reviveu:
Apocalipse 2:8
E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve; porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. Disse-me ainda: está cumprido: Eu sou o Alfa e o Ómega, o princípio e o fim. A quem tiver sede, de graça lhe darei a beber da fonte da água da vida.
Apocalipse 21:5-6
Eis que cedo venho e está comigo a minha recompensa, para retribuir a cada um segundo a sua obra. Eu sou o Alfa e o Ómega, o primeiro e o derradeiro, o princípio e o fim.
Apocalipse 22:12-13
Para negarmos a divindade de Jesus Cristo, temos três hipóteses.
- Negamos completamente as escrituras. Mesmo que elas não fossem inspiradas por Deus ou sagradas, elas demonstrariam sem sombra de dúvida que Jesus e os primeiros cristãos criam na divindade de Cristo. Para negarmos esse facto, precisamos de afirmar que elas são completamente inconfiáveis, coisa que nem descrentes que estudam o texto afirmam.
- Negarmos o caráter bondoso de Jesus. Se temos uma informação confiável de que Jesus afirmava ser Deus, mas não o era, temos a hipótese de o considerar um embusteiro. Se ele não era Deus, mas afirmava sê-lo, então Jesus não é um bom homem. É um mentiroso. É muito estranho se assim for, porque esse mentiroso teria morrido por algo que sabia ser mentira.
- Negarmos a sanidade mental de Jesus. Se Jesus afirmou a sua divindade, estando sinceramente convencido dela, mas estando sinceramente enganado, então teríamos de questionar a sua sanidade mental. No entanto, as palavras e os actos de Jesus como descritos nos evangelhos mostram uma pessoa em plena posse das suas faculdades mentais, um mestre cujos ensinos fazem sentido tanto para crianças como para os eruditos deste mundo.
Se as escrituras, particularmente os evangelhos, são uma fonte confiável de informação sobre Jesus, então, ou Jesus é um maluco, ou Jesus é um mentiroso, ou Jesus é Deus.